domingo, 16 de agosto de 2009

angústia: uma ordem sem palavras


Cecilia,


Recebi seu torpedo e seu recado carinhoso na caixa postal do celular e, acredite, indaguei-me todos esses dias o porquê das palavras me faltarem para te dizer de alguma coisa... Eu poderia te responder com a simplicidade da ordem social: sim, querida, tudo bem. Como diria um amigo meu, lá em casa todos comem. Mas, não seria justa com você, nem honesta comigo. Também poderia te responder com meu desagrado por todo mês o dinheiro terminar antes dos dias, por ser difícil esse tempo de ver os filhos crescidos, ávidos pela vida lá fora... Ou poderia comentar sobre minha profissão, que me obriga às mazelas humanas, sobre o quanto me assusta essa história de pessoas morrendo por causa de um vírus e pelo descaso do poder público. Poderia ainda passar uma hora ou mais esbravejando minha indignação e minha revolta com os Sarneys e Bispos que me fazem lamentar minha cidadania... Suspiro. Cecília, eu te encheria os ouvidos e ainda assim, acho que não daria conta do que me vai por dentro.


A verdade, minha amiga tão querida, é que não sei. Oscilo entre uma alegria, que eu chamaria de simplória, só de olhar para a luminosidade do dia e uma agonia de quem caminha por labirintos escuros, secretos e pessoais.


Como é fácil ser empanada num cotidiano que segue o cronograma das horas. E como é pouco, como é vão, como é pobre tudo que nos rege por números – essa linguagem que dispensa subjetividades e ignora entrelinhas. Como é vil, quanta crueldade!


Você me falava sobre o signo da impermanência... Suspiro mais fundo, pois às vezes me ocorre não saber muito dessa coisa de ser. Chego a me sentir corrompida na existência, visitada por invasoras urgências cotidianas. Pode ser o que fazer para a hora do almoço, as moedas e trocados para a passagem do ônibus das meninas, o telefone que toca com alguma demanda alheia, ou a sobrecarga do serviço bancário on-line que se recusa a fazer a operação. Como são frívolos os minutos dos dias e mesmo assim, implacáveis em exigências que aguardam respostas ponderadas e corteses. Por educação perdi minha vida, diz uma amiga minha predestinada a rir de si mesma.


Eu era bem pequena, Cecilia, mas ainda me lembro do que respondia aos adultos que me perguntavam sobre o que eu seria quando crescesse: profissional – eu dizia, sem margem para argumentos. O que eu não sabia era que desejos, mesmo os infantis, têm o poder de profecia.


Trabalhei por isso. Foi com orgulho que comecei a sustentar a mim e a minha casa. Teve gosto de autonomia e realização. Mas, em algum momento que não consigo precisar, isso deixou de ser o bastante, a conquista ganhou traços de confinamento e a liberdade, ares de solidão.


Não. Não se trata de arrependimento, nem tampouco deixei de gostar do ofício ao qual me dedico. Ao contrário, sou salva por ele todos os dias além de que, cada vez mais e definitivamente, me parece, são as histórias humanas que me comovem, especialmente daqueles que lutam a vida inteira... Mas já não basta. Reclamo por algo a mais, algo que me revigore. Ai, Cecilia, às vezes penso que sou feita do insaciável, uma matéria-prima que oxida no contato com o padrão, a constância, a regra. Por que não me com-formo?(!)


Conto com seu perdão pelo demorado silêncio e espero ter conseguido te responder, novamente me desculpando por envolvê-la nesse debate entre o cansaço e o anseio, o dia e seu avesso, o que é posto e o que estou a procura de inventar ser.


E você, querida, onde te encontro?


Com todo o meu afeto,
Eliza

imagem retirada de:
http://www.fotosensivel.com/modules.php?name=coppermine&file=displayimage&album=onesec&cat=0&seesec=14&pos=14

2 comentários:

mercedes disse...

amada pitty/pita(so mais esse q vc se esqueceu-era assim q te chamava)
nem acredito q te encontrei. li dois paragrafos dessa sua carta e ja tive certeza q era vc. sempre adorei tudo q vc escreve. por onde vc anda? queria muito te reencontrar. tantas coisas p falar. vc mora no meu coraçao.
bjs/saudades,
mercedes.

Eliza disse...

Mercedes!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Nossa! Saudade é pouco pra expressar o sentimento. Como te encontro? Manda um mail para ataulfocomrainha@gmail.com
Vou começar a contar as horas para te encontrar. Um beijo, Eliza