segunda-feira, 6 de julho de 2009

sempre metamorfose - por Eliza

Cecilia,

Clara, claridade, quanta luz! Diga a ela que pode entrar, e que então faça-se o dia! A casa é toda sua. Bem-vindo seja o seu inusitado tempo, seu irreverente olhar dos olhos que já se sabem donos da verdadeira nudez. Tomo emprestado seu ousar o dia e sua urgência em respostas, atalhos para as próximas perguntas. A vida, enquanto se oferece tão bem à metáfora da borboleta e seu casulo é sempre regozijo. Bicho-seda, coisa-rara, coisa-cara. Mas a beleza, a incontestável beleza da juventude, é tanta, que dela em nós nos embriagamos de tal modo, que disso só nos damos conta quando do tempo da sobriedade. Então contemplamos as fotos, e nos revemos com olhos de muito tempo depois. Enquanto jovens, tudo é brinquedo para a nossa avidez, e o tempo, algo que pensamos poder modelar com as mãos. Só num depois, que supúnhamos que não chegaria, ao dobrar de uma esquina, numa correria qualquer do dia, que um espelho d’água, sempre um espelho, reflete a escultura da qual o tempo foi autor e nós, matéria-prima.

Então, pegas de surpresa, entendemos que depois do voo, depois de toda a magnitude de nossas asas, a metamorfose seguiu seu curso ininterrupto, feroz, certeiro e irremediável. Sim, há metamorfose depois da borboleta. Num tempo em que muitas respostas foram encontradas, longe de terem se tornado certezas, elas nos apontam às relatividades. Aquilo que nunca foi para sempre, agora não é mais uma frase de efeito. É, antes, um efeito em si, visceral, sanguíneo, parte que nos é parte. História.

Provavelmente, o tempo ainda nos será generoso e farto, entretanto não mais uma ilusão de eternidade, assim como a beleza não virá mais com a mesma gratuidade. Eis aí a nossa maior dádiva e o nosso maior desafio: a consciência disso. Bendita dermatologia que nos revigora a pele, salve a ginástica que nos enrijece a musculatura, e os filhos já crescidos que nos obrigam às novas compreensões!

O que me intriga é que não encontro serenidade, como os mais velhos me anteciparam, em promessas, com relatos de dias repletos de complacência e aceitação, uma medida de moderação, uma calmaria no lidar com a realidade, um querer por paz, uma quietude... Cecilia! Socorro! Não encontro nada disso nos meus dias. E muito menos durantes as noites que me roubam as madrugadas... E o que deve ser pior, não só não encontro nada disso, como não anseio por encontrar, pelo contrário: sofro com a perspectiva de qualquer coisa parecida...

Uma vez, não me recordo bem das circunstâncias, me disseram que o coração não é o castelo onde residem as paixões, mas na senzala do corpo humano – o fígado – onde estas encontravam sua morada. Como assim?! – Lembro-me do meu espanto e da minha decepção. – O coração não é o dono da vida, o centro do ritmo e da pulsação, a morada de toda nobreza existencial? Aos poucos, no entanto, minha indignação foi cedendo até que compreendi o quanto era coerente que nossa central metabólica fosse o habitat das paixões, com todo risco de intoxicação e hemorragia. Menos rosa e mais vermelho. Menos lírico e mais real. Ainda assim, quero a vida que habita esse território menos de acordo.

Mas não é fácil. Ultimamente, venho me ressentindo dos saberes que me obrigam a uma ponderação, assim como das obrigações que determinam que eu renegocie os desejos com a exigência da parcimônia. Parte de mim chama a isso de maturidade; a outra parte, de envelhecimento. Nesta esquizofrenia todo lirismo ganha contornos de alegoria, de pensamento onírico. Nela, a realidade é infinitamente mais intestinal, mais hepatológica, mais exigente no processamento dos vícios e no entendimento de que os sonhos da juventude cederam espaço à digestão do tempo. Mas, há de ser para o reencontro do prazer. Há de ser.

Um beijo,
Eliza

foto: retirada de http://blog.vendamuitomais.com.br/2009/04/13/luz-no-fim-do-tunel/



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