domingo, 28 de junho de 2009

da generosidade que há na incerteza - por CeciLia


Eliza. Eliza Maciel.

Nome e sobrenome. No início pensei em dar-te os parabéns, como já fizeram a mim, CeciLia Cassal, assim explícita. Pela coragem de expor-se e, correndo riscos, ir no contra-fluxo dos conselhos mais freqüentes sobre uma preservação que é primária, sim, necessária, sim, mas que também é terrível quando visa manter as distâncias aceitáveis pelo senso comum (tão comum e pobre, normalmente, este senso). Depois desisti. Sabe por que, minha querida? Porque segue sendo, embora há muito mais tempo nos identifique na vida, apenas um nome. Cecilia, Eliza, Guilhermina, Lia, quantas mais, santas ou profanas, intelectuais ou mundanas, mães, profissionais, professoras, cientistas, escritoras, amigas, anônimas, quantas mais poderemos ser além de um nome que nos enquadre e codifique e – de uma certa forma – restrinja? Além disso, quantas vezes, e tu o sabes mais e melhor do que eu, nos escondemos atrás e apesar da pretensa verdade? De qualquer forma, sempre é bom avançar nesse pensamento, que revelar é esconder de novo.

Falavas em nosso encontro, um reconhecimento no meio da calçada, um restaurante tão carioca em pleno estacionamento e a intimidade de amigas de infâncias apresentadas há menos de duas horas. Sim, somente a alegria do Rio e do Porto, quando se encontram sob alguma pilastra de varanda, poderiam entender guris e meninas, alternar entre tu e você na mistura de segundas e terceiras pessoas e tantos tempos verbais numa cronologia assimétrica e por demais peculiar de histórias contadas em primeira voz. Mas, eu te pergunto, não são exatamente estes os momentos que fazem com que um dia se diferencie dos demais, tornando-se uma história boa de contar, neste semi-árido em que todos andamos? Não é essa disponibilidade à Vida o que faz com que ela, a Vida, se aproxime e nos abençoe? Essa a generosidade e a fluidez necessárias, isso que faz o encantamento das coisas que – se nos são contadas – é para que nos permitamos ser simultaneamente espelho e imagem, eco e palavra, significado e significante? Sabe, Eliza, cada vez mais penso estar aí a busca fundamental, a de poder compor com tudo isso dentro, para assimilar (ingerir, processar e metabolizar, numa linguagem visceral) o mundo do lado de fora.

Impulsiva que sou, depois de quinta-feira quero dar-te notícias sobre uns projetos um pouco desvairados em que ando me atirando. Coisas que me apresentam à incerteza, ainda que controlada em laboratório, técnicas (não poderia, neste momento, prescindir delas) de confrontar a dúvida no discurso e, agrupando seus fragmentos, refazer a realidade. Sobre a falta de respostas e sobre a imprecisão das perguntas. Mas espera, que preciso de umas pedrinhas a mais no alicerce da fala. Por hora, meu chronos, lógico!, terminou (recebe com um sorriso complacente, por favor, minha provocaçãozinha básica!).

Deixo-te com as palavras do amado Mario (o Benedetti, por supuesto)

“ Tu sabes
que podes
contar conmigo...
No hasta dos
o hasta diez,
sino contar
conmigo”.

Um upa forte, irmã de incertezas.

CeciLia
(Texto e Imagem: CeciLia Cassal, São Nicolau, Missões, Rio Grande do Sul)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

paradigmas e paradoxos - por Eliza

Querida,

Nem sei quantas vezes ouvi que era preciso tomar cuidado, muito cuidado com estranhos. Depois do surgimento da internet, então, esse conselho virou quase obrigatório, passando até a fazer parte do rol de educação materna, norma de segurança. Além disso, quando me recordo dos motivos que me levaram à inauguração da esquina do desacato, onde escrevo sob o pseudônimo de Guilhermina, eu me deparo com a idéia de que, na liberdade de um nome que me encobrisse o próprio, pudesse falar de tudo que me ocorresse interessante, indignado, polêmico ou não, confesso ou ficção. Falar para quem fosse, tão anônimo quanto eu e por isso tão livre de mim e do meu olhar quanto eu seria do dele.

Havia um cansaço das relações cotidianas, do exercício profissional, dos compromissos que a nossa existência estabelece com os próximos, com aos que serve, com aos que ampara; um cansaço de existir sob os olhos atentos e alheios, a nos pedir coerência, explicações... a empenhar debates, confrontos, pedidos de respostas e referências. E lá fui eu... a revolucionária que gostaria de ser, a puta que desejei um dia me travestir, ou a sonhadora que se recusava a envelhecer. Lá fui eu em ânsia libertária e libertina, oferecendo-me outra a mim mesma. Lá fui eu nesta aventura internética, como quem compra um terreno na lua e navega pelo espaço na conquista de depois dos continentes...

Não durou nem um dia. Já no primeiro texto, lá estava eu comprometida em ser eu mesma, compromisso também com cada palavra, travando diálogo através de comentários em espaços (blogs) alheios. Lá estava eu procurando afins, identificações, histórias que me comovessem, pessoas que me capturassem... Não tem jeito, ou melhor, eu não tenho jeito... identificações e intimidade... uma proximidade que me permita tocar o outro de algum modo... e ser por ele transformada. Sina ou tendência, sintoma ou estilo, necessidade ou natureza, a verdade é que não consigo compreender essa nossa caminhada por esses tempos de tanta aridez, cólera e superficialidade de outra forma que não no estreitamento dos laços. Diz uma amiga de longa estrada, e muitas paragens, que enquanto as pessoas fazem mil “contatos”, eu faço uma relação... E, Cecília, acho que ela não faz disso um elogio.

Mas, fazer o que se nada me encanta mais que a história de cada um, seus sonhos e suas desilusões, seus tempos e contratempos, caminhos, descaminhos, perdas e reparações? O que fazer, me diga, se o que me comove são os encontros que acontecem entre pessoas, como se estivessem predestinadas a eles? Se as dores humanas o que me atormenta, assim como seus universos particulares, suas imperfeições, suas histórias de superação e idiossincrasias o que realmente me inquieta?

Por isso mesmo, como posso traduzir o que se processa em mim quando nos reconhecemos no meio da rua, sem nunca termos nos visto antes? Querida, eu te agradeço a oportunidade daquela tarde, quando este encontro virtual, entre a esquina e a Lua (em Libra), ganhou realidade e transformou uma varandinha e alguns copos de chope num piquenique no píer – porto alegre de um rio de janeiro em pleno mês de junho. Obrigada pela fraternidade, obrigada pela intimidade rápida, pela falta de pudores e máscaras, obrigada pelas imperfeições, justo elas que nos fazem tão humanas, tão femininas, tão fortes na vulnerável condição da existência. Sim, são demais os perigos dessa vida (pra quem tem paixão) – avisava o poetinha Vinícius lá em 1972 ... e, como quem lhe indagasse mais uma vez, também em poesia; Buarque, o Francisco, onze anos depois retrucava diz quantos desastres tem na minha mão... diz se é perigoso a gente ser feliz...

É assim que te abraço, nessa maravilhosa sensação de que a vida já passa dos quarenta e a gente continua se perguntando, se provocando, ousando querer mais, e melhor. E de novo. Uma saudação ao perigo de estarmos vivas. Desde já minha admiração, a partir daquele dia, minha amizade: é o que te ofereço. Se te convido? A descer o rio o ano todo, fazendo do porto miragem, depois descanso e novamente partida até o encontro do mar e do horizonte.

Poucos prazeres são maiores que a impressão de encontrar nossos pares, as interseções onde nos abraçamos e nos sabemos menos sós e, ao mesmo tempo, nos reconhecemos tão diferentes que é preciso abrir-se para acolher do que há a aprender.

Muito obrigada, o prazer é meu,
Eliza

foto: 07.08.2006 - HUDSON PONTES - RJ - Baía de Guanabara ao entardecer - Barco à vela passa por baixo da Auto-estrada Linha vermelha na entrada da Ilha do Governador.