sexta-feira, 26 de junho de 2009

paradigmas e paradoxos - por Eliza

Querida,

Nem sei quantas vezes ouvi que era preciso tomar cuidado, muito cuidado com estranhos. Depois do surgimento da internet, então, esse conselho virou quase obrigatório, passando até a fazer parte do rol de educação materna, norma de segurança. Além disso, quando me recordo dos motivos que me levaram à inauguração da esquina do desacato, onde escrevo sob o pseudônimo de Guilhermina, eu me deparo com a idéia de que, na liberdade de um nome que me encobrisse o próprio, pudesse falar de tudo que me ocorresse interessante, indignado, polêmico ou não, confesso ou ficção. Falar para quem fosse, tão anônimo quanto eu e por isso tão livre de mim e do meu olhar quanto eu seria do dele.

Havia um cansaço das relações cotidianas, do exercício profissional, dos compromissos que a nossa existência estabelece com os próximos, com aos que serve, com aos que ampara; um cansaço de existir sob os olhos atentos e alheios, a nos pedir coerência, explicações... a empenhar debates, confrontos, pedidos de respostas e referências. E lá fui eu... a revolucionária que gostaria de ser, a puta que desejei um dia me travestir, ou a sonhadora que se recusava a envelhecer. Lá fui eu em ânsia libertária e libertina, oferecendo-me outra a mim mesma. Lá fui eu nesta aventura internética, como quem compra um terreno na lua e navega pelo espaço na conquista de depois dos continentes...

Não durou nem um dia. Já no primeiro texto, lá estava eu comprometida em ser eu mesma, compromisso também com cada palavra, travando diálogo através de comentários em espaços (blogs) alheios. Lá estava eu procurando afins, identificações, histórias que me comovessem, pessoas que me capturassem... Não tem jeito, ou melhor, eu não tenho jeito... identificações e intimidade... uma proximidade que me permita tocar o outro de algum modo... e ser por ele transformada. Sina ou tendência, sintoma ou estilo, necessidade ou natureza, a verdade é que não consigo compreender essa nossa caminhada por esses tempos de tanta aridez, cólera e superficialidade de outra forma que não no estreitamento dos laços. Diz uma amiga de longa estrada, e muitas paragens, que enquanto as pessoas fazem mil “contatos”, eu faço uma relação... E, Cecília, acho que ela não faz disso um elogio.

Mas, fazer o que se nada me encanta mais que a história de cada um, seus sonhos e suas desilusões, seus tempos e contratempos, caminhos, descaminhos, perdas e reparações? O que fazer, me diga, se o que me comove são os encontros que acontecem entre pessoas, como se estivessem predestinadas a eles? Se as dores humanas o que me atormenta, assim como seus universos particulares, suas imperfeições, suas histórias de superação e idiossincrasias o que realmente me inquieta?

Por isso mesmo, como posso traduzir o que se processa em mim quando nos reconhecemos no meio da rua, sem nunca termos nos visto antes? Querida, eu te agradeço a oportunidade daquela tarde, quando este encontro virtual, entre a esquina e a Lua (em Libra), ganhou realidade e transformou uma varandinha e alguns copos de chope num piquenique no píer – porto alegre de um rio de janeiro em pleno mês de junho. Obrigada pela fraternidade, obrigada pela intimidade rápida, pela falta de pudores e máscaras, obrigada pelas imperfeições, justo elas que nos fazem tão humanas, tão femininas, tão fortes na vulnerável condição da existência. Sim, são demais os perigos dessa vida (pra quem tem paixão) – avisava o poetinha Vinícius lá em 1972 ... e, como quem lhe indagasse mais uma vez, também em poesia; Buarque, o Francisco, onze anos depois retrucava diz quantos desastres tem na minha mão... diz se é perigoso a gente ser feliz...

É assim que te abraço, nessa maravilhosa sensação de que a vida já passa dos quarenta e a gente continua se perguntando, se provocando, ousando querer mais, e melhor. E de novo. Uma saudação ao perigo de estarmos vivas. Desde já minha admiração, a partir daquele dia, minha amizade: é o que te ofereço. Se te convido? A descer o rio o ano todo, fazendo do porto miragem, depois descanso e novamente partida até o encontro do mar e do horizonte.

Poucos prazeres são maiores que a impressão de encontrar nossos pares, as interseções onde nos abraçamos e nos sabemos menos sós e, ao mesmo tempo, nos reconhecemos tão diferentes que é preciso abrir-se para acolher do que há a aprender.

Muito obrigada, o prazer é meu,
Eliza

foto: 07.08.2006 - HUDSON PONTES - RJ - Baía de Guanabara ao entardecer - Barco à vela passa por baixo da Auto-estrada Linha vermelha na entrada da Ilha do Governador.

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